sábado, 30 de abril de 2011

Freud e o Homem dos Ratos - parte 1

FREUD E O HOMEM DOS RATOS



Eraldo S. L. Teixeira
Orpheu Cairolli
Sonia Pineda Vicente
Telma A. L. Carlos
(1*)

Homem dos Ratos é o nome pelo qual ficou conhecido um texto de Freud(19) dedicado à neurose obsessiva. O título original é: Observações (Bemerkungen) sobre um caso de neurose obsessiva (Zwangneurose). Trata-se, por conseguinte, de uma espécie nome de guerra (e é verdade que há uma guerra deste sujeito consigo mesmo!) visto que o verdadeiro nome do paciente de Freud, tal como veio a saber-se mais tarde, era Ernst Lanzer. No entanto, ao relermos este texto paradigmático, somos levados a crer – guiados pela mão de Freud, mas também, e sobretudo, pelo discurso do próprio paciente - , que Homem dos Ratos é, afinal, o verdadeiro nome próprio deste sujeito.
Síntese
Freud tratou um jovem cujo trabalho foi publicado como "Homem dos Ratos" (1909)(19) (Vol. X da Coleção das Obras Completas de Freud da Editora Imago). Freud procurou formular, a partir do estudo do caso, uma explicação sobre a neuro-se obsessivo-compulsiva à luz da teoria psicossexual do desenvolvimento. Para tan-to, realizou uma descrição rica e precisa de rituais e obsessões que seu paciente apresentava, buscando interpretá-los à luz de sua teoria. Tal concepção prevaleceu até pouco tempo atrás, quando novos fatos vieram modificar essas concepções.
O paciente, um jovem de educação universitária, apresentou-se a Freud com a queixa de obsessões desde sua infância, mas com uma maior intensidade nos úl-timos 4 anos de sua vida. Sofria de TEMORES de que algo acontecesse a duas pessoas de quem mais gostava - seu pai e uma jovem a quem admirava.

Além disso, tinha consciência de IMPULSOS COMPULSIVOS - tais como, por exemplo, de cortar sua garganta com uma navalha -, produzindo posteriormente PROIBIÇÕES, muitas vezes em conexão com coisas triviais, como no dia em que a jovem de quem gostava ia partir e ele bateu com o pé numa pedra da estrada em que caminhava, e foi obrigado a afastá-la do caminho, pondo-a a beira da estrada, pois lhe veio à idéia de que o carro dela iria passar e poderia acidentar-se nessa pe-dra. Contudo, minutos depois pensou que era um absurdo, e foi obrigado a voltar e recolocar a pedra à sua posição original.
A experiência que precipitou a primeira consulta do paciente com Freud ocor-reu quando estava em manobras em uma unidade militar. Um oficial descreveu uma forma de tortura na qual o prisioneiro ficava sentado nu, amarrado sobre um recipi-ente contendo ratos, que buscavam escavar seu ânus em busca de uma saída. Tal pensamento passou a invadir sua mente sem que fosse capaz de evitá-lo, causan-do-lhe grande aflição. Achava que isso poderia acontecer com a jovem de quem gostava e com o pai, já falecido há nove anos. Como forma de evitar essa obsessão empregava uma fórmula particular, dizendo a si mesmo: "Mas", acompanhado por um gesto de repúdio, e depois: "O que é que você está pensando?"
O jovem passou anos combatendo essas e outras idéias, conforme relatou, perdendo, deste modo, muito tempo de sua vida. Vários tratamentos haviam sido tentados, com nenhum efeito positivo.
A análise de Freud concentrou-se na ambivalência do paciente para com seu pai e a jovem a quem cortejava, originada em sua sexualidade precoce e intensa e sentimentos antigos de raiva contra seu pai - que haviam sido severamente reprimi-dos. O símbolo do rato levou Freud e o paciente a uma série de associações que incluíam erotismo anal, lembranças de excitações anais quando o paciente em cri-ança eliminava lombrigas (que Freud interpretava como simbolizando um pênis), e o fato de ter sido espancado pelo pai aos 4 anos de idade por ter mordido uma pes-soa. Associou ainda com problemas antigos do pai do paciente com o jogo (em ale-mão, um jogador é uma spielratte - ou rato-do-jogo), a idéia infantil do parto anal e a própria experiência real de haver tido verminose quando criança. Após um ano de análise, o paciente curou-se de seus sintomas e, nas palavras de Freud, "o delírio dos ratos desapareceu".
Segundo Freud, a história dos ratos é um ponto nodal (ein Knotenpunkt) onde vêm entroncar os diversos fios da meada. Mas como situar esta coisa: como signifi-cante? Como objecto? Ou como um misto de significante e de objecto? Não faltam, no texto de Freud, elementos que apoiam uma ou outra das diversas posições. Ve-jamos: Em primeiro lugar, é evidente que se trata de um significante, quer dizer, de um termo que serve de base a uma ou várias equações simbólicas do tipo: ra-to=pai=pênis=coito=criança=florins, etc. Tudo isto assente no mero jogo significante (e mesmo literal) da palavra rato. Vejamos apenas alguns exemplos, tais como eles aparecem na fala do paciente: Raten (prestações, pagamentos), Ratten (ratos), Spielratte (rato-de-jogo), Heiraten (matrimónio) e por aí fora. No capítulo final – O complexo paterno e a solução da ideia dos ratos – bem como nas Notas manuscritas sobre o relato original do caso, este trabalho de Freud com base no significante – guiado pela própria fala do sujeito – está bem patente. Deste ponto de vista, a análi-se tenderia no sentido de uma progressiva significantização da experiência, de forma a restituir ao sujeito o sentido (perdido) da sua história. E, em última análise, esse sentido poderia formular-se numa única frase. E é interessantíssimo ver como Freud acredita, no fim de contas, ter chegado a essa frase. Vejam-se as páginas 1471-72 (op. cit): “devolverei o dinheiro ao tenente A. quando o meu pai e a minha noiva tive-rem filhos”. Ou: “É tão certo devolver o dinheiro como o meu pai e a minha noiva po-derem ter filhos”. Quer dizer, num caso ou noutro, é impossível. Um desejo impossí-vel de realizar. Ou realizando-se – isto é, auferindo uma satisfação – sob a forma desse impossível.

Comentários 
De uma forma muito rica e detalhada Freud descreveu os sintomas do trans-torno obsessivo-compulsivo (até bem pouco: neurose obsessivo-compulsiva): ob-sessões e compulsões, rituais de anulação, que procurou interpretar à luz de seu modelo psicossexual do desenvolvimento. Particularmente são ricas suas descrições sobre a forma de pensar do paciente obsessivo-compulsivo modernamente retoma-
das e valorizadas pelas teorias cognitivas do TOC: a importância exagerada do pen-samento, a dificuldade de conviver com a incerteza, a necessidade do controle, o perfeccionismo, o responsabilidade exagerada. Freud destacou ainda o isolamento dos afetos em relação às idéias, a ambivalência, a anulação, o Superego severo, como fenômenos associados ao TOC, e em função dos sintomas do seu paciente supervalorizou os sintomas relacionados com ânus, fezes, defecação e sadismo, que no seu entender apoiavam sua teoria.
O Homem dos Ratos é um exemplo de um lado da genial capacidade de Freud para captar e descrever fenômenos clínicos, e ao mesmo tempo de vieses nos quais incorria em função de suas próprias teorias. De qualquer forma sua descrição detalhada e sua interpretação elegante à luz de suas próprias idéias, prevaleceram por quase um século como a teoria sobre a origem do transtorno obsessivo-compulsivo, embora fossem de pouca utilidade no seu tratamento.
Atualmente, o transtorno obsessivo-compulsivo é visto como um transtorno neuropsiquiátrico, para cuja origem concorrem fatores de ordem biológica, como vul-nerabilidade genética, disfunção neuroquímica cerebral, o ambiente familiar em que foi educado. Tem sido também muito valorizada a relação funcional entre obsessões e compulsões, ou seja, o fato de o paciente descobrir (aprender) que os rituais alivi-am a ansiedade associada às obsessões e passa por este motivo a repeti-los. Têm sido também destacadas determinadas crenças errôneas que auxiliam na manuten-ção da doença: como a avaliação irreal do risco, a importância exagerada que estes pacientes dão aos seus pensamentos, o perfeccionismo, e necessidade de ter con-trole e certeza entre outros. Seu tratamento, em função desses novos fatos, passou a ser a farmacoterapia associada à terapia cognitivo-comportamental, e não mais a psicanálise.
Luiz Miller de Paiva32 nos relata que a neurose obsessiva ou transtorno ob-sessivo compulsivo de ajustamento (F.42 e 43 do Cid 10) nos mostra um cerimonial complexo, reconhecido pelo próprio paciente, podendo chegar a um grau avançado como sói ocorrer nos episódios obsessivos graves com sintomas psicóticos (F.32.3), na síndrome de Asperger (F.84.5), e na esquizofrenia simples (F.21). Todavia, nos transtornos da personalidade esquizóide, os sintomas apresentam-se mais amenos
embora sejam originários na infância, produzidos pela predisposição genética ou insegurança ontológica (Laing,1963 in::32 ). A nosso ver, o mais grave problema do obsessivo está no seu comportamento que parece, a primeira vista, normal; todavia, em sentido mais profundo, trata de uma alteração estrutural do sistema nervoso, principalmente no cérebro reptiliano, produzindo sintomas graves de conduta, haja vista a atitude revolucionária levando à guerra. A explicação deste fenômeno obses-sivo parece ser devida à herança do ser humano de três tipos de cérebro: reptiliano, paleomamífero e neomamífero, que apesar de diferenças estrutural e metabólica, agem em conjunto (LEAKEY,1979 in: 32 ).
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1* Membros da AEPSP - Associação de Estudos Psicanalíticos de São Paulo

Um comentário:

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